sexta-feira, 18 de dezembro de 2009




"Abençoado seja o Natal pois envolve todo mundo em uma conspiração de amor"


(H.Wright)


sábado, 14 de novembro de 2009

Poema

"Gosto dos venenos mais lentos,
das bebidas mais amargas,
das drogas mais poderosas,
das idéias mais insanas,
dos pensamentos mais complexos,
dos sentimentos mais fortes…
tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!
Não me dêem fórmulas certas,
porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostrem o que esperam de mim,
porque vou seguir meu coração.
Não me façam ser quem não sou.
Não me convidem a ser igual,
por que sinceramente sou diferente.
Não sei amar pela metade.
Não sei viver de mentira.
Não sei voar de pés no chão.
Sou sempre eu mesma,
mas com certeza não serei a mesma pra sempre..."

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO (???)

Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece, observou Nietzsche. É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo, por medo.
Albert Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora quando a coragem chega: ”Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos”.Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem. Vou dizer aquilo sobre que me calei: O povo unido jamais será vencido - é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o povo tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo... Não sei se foi bom negócio: o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de televisão que o povo prefere. A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos. Na Bíblia o povo e Deus andam sempre em direções opostas. Bastou que Moisés, líder, se distraísse, na montanha, para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os 10 mandamentos.
E há estória do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras idéias. Amava a prostituição. Pulava de amante a amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão.. Até que ela o abandonou... Passado muito tempo Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos... E que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: Agora você será minha para sempre...pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus. Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta. Ele amava a prostituta. Mas sabia que ela não era confiável. O povo sempre preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhes contavam mentiras.
As mentiras são doces. A verdade é amarga. Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos o circo era os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro “O homem moral e a sociedade imoral” observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se responsáveis por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo, tornam-se capazes dos atos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival. Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Meu amigo Lisâneas Maciel, no meio de uma campanha eleitoral, me dizia que estava difícil porque o outro candidato a deputado comprava os votos do povo por franguinhos da Sadia. E a democracia se faz com os votos do povo...
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói o ideal da democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições e a democracia - são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras. O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham. Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus Cristo foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a Revolução Cultural na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar. O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer. O mais famoso dos automóveis foi criado pelo governo alemão para o povo: o Volkswagen. Volk, em alemão, quer dizer povo.
O povo unido jamais será vencido! Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos... Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio, não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol (tive a desgraça de viajar por duas vezes, de avião, com um time de futebol...). Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e engolir sapos e a brincar de boca-de-forno, à semelhança do que aconteceu na China. De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: Caminhando e cantando e seguindo a canção... Isso é tarefa para os artistas e educadores: O povo que amo não é uma realidade. É uma esperança.

(Ruben Alves - Folha de S. Paulo, 05/05/2002)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

CANÇÃO

Viver não dói.
O que dói é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.

Viver não dói.
O que dói é o tempo,
essa força onírica em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.

Viver não dói.
O que dói é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.

Viver não dói.
O que dói, ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.
Que tudo o mais é perdido.
(Emílio Moura)

sábado, 31 de outubro de 2009

SOLIDÃO


Eu não vou ficar aqui discorrendo sobre a solidão romântica como se ela fosse uma tese de doutorado nem dizer que preciso me amar para nunca me sentir sozinha (se o Colin Farrell me amasse, também não seria nada mau). Da mesma forma , jamais direi que a falta que eu sinto do amor de um homem pode ser suprida pelo amor a Deus, a meus amigos ou meus animais de estimação. Isso seria a mesma coisa que afirmar “quando você tiver fome, tome um banho”!
Eu tenho náuseas quando alguém me diz: “Ora, por que você esta triste? Você tem saúde: pode trabalhar, andar, ver, ouvir!” Sim, eu tenho saúde, eu caminho, enxergo, ouço – e o que isso tem a ver com a dor de levar um pé nos fundilhos? Posso chorar ou estou proibida pela patrulha do politicamente correto? Será que certos autores de livros de autoajuda vão me fuzilar num paredão por eu afirmar que não posso substituir uma necessidade por outra? A pílula da felicidade que eles não cansam de nos vender não passa de um placebo. A necessidade de algo que transcenda a matéria não pode ser substituída por uma ida ao shopping (e vice-versa), da mesma forma que o fato de alguém ter saúde não aplaca a dor que se sente ao ter o coração partido em duzentos e vinte e cinco mil pedaços. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Algumas pessoas apontam trabalho voluntário como remédio para a solidão romântica, mas que idéia ridícula! E o olhar aliviado de uma pessoa com frio recebendo uma manta vai substituir o roçar sedutor da barba malfeita do homem que eu desejo?
Só existe uma coisa que pode aliviar minha solidão: um romance. Mas o que estou dizendo? Silêncio! Esconda esta lepra emocional, menina. Carência é lepra, sim. Daqui a pouco haverá bunkers nos arredores das grandes cidades nos quais os carentes serão depositados aos borbotões sob a alegação de que poderiam contaminar, com seus queixumes, os seres felizes do planeta. Carência fede. E não há nada, absolutamente nada que afaste mais um homem de que o cheiro nauseabundo de uma mulher carente. Sem perceber, sem desejar, sem nem mesmo conseguir evitar, você se transforma numa vira-lata ansiosa por um naco de osso velho e descarnado. E esse osso está na mão dele.
(Stella Florence)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Saudade e Lembrança

Saudade e lembrança: podem parecer sinônimos.
Idéia igual, mas diferente no sentir.
Lembrança é da memória, saudade é da alma.
Muitas lembranças, poucas saudades.
Lembranças surgem com um cheiro, uma música, uma palavra.
Saudade surge sozinha, emerge do fundo do peito
onde é guardada com carinho.
Lembrança pode ser boa, mas quando não é,
pode-se afastá-la convocando outra lembrança
ou convocando outro pensamento para o lugar,
ligando a TV ou lendo o jornal.
Saudade é sempre boa, mesmo quando dói,
e não se apaga mesmo que outra pessoa
tente ocupar o lugar vazio.
Ela pode coexistir com um novo amor, sem machucá-lo.
Lembrança é de algo real, de um lugar, uma época, uma pessoa.
Saudade pode ser do que não houve, de uma possibilidade,
de lábios jamais tocados.
Lembrança pode ser contada, medida, localizada,
e com algum esforço,
pode até ser calculada com uma fórmula matemática,
ao gosto dos engenheiros.
Saudade é dos poetas, é pautada em rimas e melodias;
vontade de ver outra pessoa segundo os poetas,
teria outro nome, seria uma saudade com tempero, eu acho.
Lembrança pode ser sem som, pode não doer.
Saudade jamais é sem som.
Se ela não vier com música de fundo,
a gente coloca, só para ficar mais bonita, mais gostosa de sentir,
para preencher mais a alma vazia.
Lembrança vence a morte, mas conforma-se com a ausência,
respeita convenções.
Saudade ignora a morte, vence distâncias,
barreiras e preconceitos.
Lembrança aceita nosso comando,
vai e volta quando queremos.
Saudade é irreverente, independente e auto suficiente.
(Solange Gouvâ)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

SAWABONA - Sobre estar sozinho

Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o inicio deste milênio. As relações afetivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor. O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar. A idéia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o romantismo está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela abandona suas características, para se amalgamar ao projeto masculino. A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de saber fazer o que eu não sei. Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante. Uma idéia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal.
A palavra de ordem deste século é parceria. Estamos trocando o amor de necessidade, pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente. Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sozinhas, e aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma. É apenas um companheiro de viagem.
O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou. Estamos entrando na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo. O egoísta não tem energia própria; ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral. A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. Visa à aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva.
A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa.As boas relações afetivas são ótimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gêmea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir sua força pessoal.
Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro. Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado. Nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem de aprender a perdoar a si mesmo...

PS: Caso tenha ficado curioso em saber o significado de SAWABONA, é um cumprimento usado no sul da África e quer dizer "EU TE RESPEITO, EU TE VALORIZO, VOCÊ É IMPORTANTE PRA MIM". Em resposta as pessoas dizem SHIKOBA, que é "ENTÃO, EU EXISTO PRA VOCÊ"
(Flavio Gikovate)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Virou pelada? (Tânia Fusco)

Só depois de ter filhos homens consegui entender a magia do futebol e a paixão da torcida. É cega, sem cão guia. Não enxerga um palmo adiante. Justifica tudo. Odeia de morte os adversários. Aprova e celebra o vale tudo em campo, desde que favoreça o time do coração. Gol de mão a favor é sorte, contra é putaria grave. Se o time está ruim, derruba o técnico. Contrata outro e renovam-se as esperanças. Artilheiro que troca de time é traíra. Se voltar, é herói. Campeonato perdido é uma tragédia. Mas a dor passa logo, porque vem nova temporada e, claro, começa tudo de novo.
A razão da torcida é burra. Empurra no grito até time de perneta porque traz na alma a paixão pelo escudo.
Não é muito diferente na política. É só dar um rolé nos comentários dos blogs para ver explícita a paixão da torcida. Resiste e justifica tudo. Da cueca à quebra do sigilo. Já absorveu completamente malas e mensaleiros. Segue fiel, raivosa e acusadora. “Antes de nós, outros fizeram. É jogo das elites. E a privatização de FHC? E o sigilo do painel do ACM? Minha dança virou escândalo porque sou gorda, de cabeça branca e do PT”. Morrem secos, mas não admitem os desacertos de hoje, do time do coração.
Aí é que mora o perigo. Na cegueira. O que devia provocar indignação generalizada fica reduzido à guerra de torcida. Mas no meio desse embate (ou seria empate?) das torcidas organizadas tem um país e um povo tentando carregar no peito o desgastado escudo dos princípios. Poucos que sejam. Os básicos. Não pode roubar, não pode matar. Mentira serve para esconder coisa errada.
Papai e mamãe nos ensinaram: não é porque o outro errou que a gente pode errar também. Lei tem ser cumprida por todinhos da silva – pobre, remediado e rico, nascido na elite ou emergente instalado. Não concorda, faz campanha contra, protesta, luta para mudar. Mas, enquanto estiver valendo tem de cumprir. Simplório, mas real. Não foi com esse discurso que o PT criou corpo e com o santo voto de mais da metade do eleitorado chegou ao poder?
Peraí. A lei nos dá até a folga de silenciar para não se incriminar. Mas mentir continua sendo crime, quando esconde delitos. Boca fechada é uma coisa. Mentir é outra. Seres humanos no exercício de funções públicas – pequenas ou grandes – não podem, digamos, falsear a verdade e descumprir leis.
As torcidas que me perdoem, mas a continuar a cegueira geral, podemos considerar que é perfeito o ceticismo expresso pelo sociólogo experimentado. A diferença entre uns e outros é a seguinte: a direita rouba para si e dá o troco para a causa. A esquerda rouba para a causa e fica com o troco para si. O povo e o país que se danem.


(Tânia Fusco é jornalista)

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Brasil

Certa noite, ao entrar em minha sala de aula, vi num mapa-mundi, o nosso Brasil chorar: O que houve, meu Brasil brasileiro? Perguntei-lhe! E ele, espreguiçando-se em seu berço esplêndido, esparramado e verdejante sobre a América do Sul, respondeu chorando, com suas lágrimas amazônicas:
Estou sofrendo. Vejam o que estão fazendo comigo... Antes, os meus bosques tinham mais flores e meus seios mais amores. Meu povo era heróico e os seus brados retumbantes. O sol da liberdade era mais fúlgido e brilhava no céu a todo instante. Onde anda a liberdade, onde estão os braços fortes? Eu era a Pátria amada, idolatrada. Havia paz no futuro e glórias no passado. Nenhum filho meu fugia à luta. Eu era a terra adorada e dos filhos deste solo era a mãe gentil. Eu era gigante pela própria natureza, que hoje devastam e queimam, sem nenhum homem de coragem que às margens plácidas de algum riachinho, tenha a coragem de gritar mais alto para libertar-me desses novos tiranos que ousam roubar o verde louro de minha flâmula.

Eu, não suportando as chorosas queixas do Brasil, fui para o jardim. Era noite e pude ver a imagem do Cruzeiro que resplandece no lábaro que o nosso país ostenta estrelado. Pensei... Conseguiremos salvar esse país sem braços fortes? Pensei mais... Quem nos devolverá a grandeza que a Pátria nos traz? Voltei à sala, mas encontrei o mapa silencioso e mudo, como uma criança dormindo em seu berço esplêndido.

(Redação de uma aluna de Joinvile de Colégio Público)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

45 lições - (Regina Brett)

" Para celebrar o envelhecer, uma vez eu escrevi 45 lições que a vida me ensinou. É a coluna mais requisitada que eu já escrevi. Meu taximetro chegou aos 90 em Agosto, então aqui está a coluna mais uma vez:
1. A vida não é justa, mas ainda é boa.
2. Quando estiver em dúvida, apenas dê o próximo pequeno passo.
3 A vida é muito curta para perdermos tempo odiando alguém.
4. Seu trabalho não vai cuidar de você quando você adoecer. Seus amigos e seus pais vão. Mantenha contato.
5. Pague suas faturas de cartão de crédito todo mês
6. Você não tem que vencer todo argumento. Concorde para descordar.
7. Chore com alguém. É mais curador do que chorar sozinho.
8. Está tudo bem em ficar bravo com Deus. Ele aguenta.
9. Poupe para aposentadoria começando com seu primeiro salário.
10. Quando se trata de chocolate, resistência é em vão
11. Sele a paz com seu passado para que ele não estrague seu presente.
12. Está tudo bem em seus filhos te verem chorar.
13. Não compare sua vida com a dos outros. Você não tem ideia do que se trata a jornada deles.
14. Se um relacionamento tem que ser um segredo, você não deveria estar nele.
15 Tudo pode mudar num piscar de olhos; mas não se preocupe, Deus nunca pisca.
16. Respire bem fundo. Isso acalma a mente.
17. Se desfaça de tudo que não é útil, bonito e prazeroso.
18. O que não te mata, realmente te torna mais forte.
19. Nunca é tarde demais para se ter uma infância feliz. Mas a segunda só depende de você e mais ninguém.
20. Quando se trata de ir atrás do que você ama na vida, não aceite não como resposta.
21. Acenda velas, coloque os lençóis bonitos, use a lingerie elegante. Não guarde para uma ocasião especial. Hoje é especial.
22. Se prepare bastante, depois deixe-se levar pela maré..
23. Seja excêntrico agora, não espere ficar velho para usar roxo.
24. O órgão sexual mais importante é o cérebro.
25. Ninguém é responsável pela sua felicidade além de você.
26.. Encare cada "chamado desastre" com essas palavras: Em cinco anos, vai importar?
27. Sempre escolha a vida.
28. Perdoe tudo de todos.
29. O que outras pessoas pensam de você não é da sua conta.
30. O tempo cura quase tudo. Dê tempo.
31. Indepedentemente se a situação é boa ou ruim, irá mudar.
32. Não se leve tão à sério. Ninguém mais leva...
33. Acredite em milagres
34. Deus te ama por causa de quem Deus é, não pelo o que você fez ou deixou de fazer.
35. Não faça auditoria de sua vida. Apareça e faça o melhor dela agora.
36. Envelhecer é melhor do que a alternativa: morrer jovem
37. Seus filhos só têm uma infância
38. Tudo o que realmente importa no final é que você amou.
39. Vá para a rua todo dia. Milagres estão esperando em todos os lugares
40. Se todos jogássemos nossos problemas em uma pilha e víssemos os de todo mundo, pegaríamos os nossos de volta.
41. Inveja é perda de tempo. Você já tem tudo o que precisa.
42. O melhor está por vir.
43. Não importa como vc se sinta, levante, se vista e apareça.
44. Produza.
45. A vida não vem embrulhada em um laço, mas ainda é um presente!!!"

(ESCRITO POR REGINA BRETT, 90 ANOS)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Blowin' In The Wind - Bob Dylan

Quantas estradas um homem deve percorrer
Pra poder ser chamado de homem?
Quantos oceanos uma pomba branca deve navegar
Pra poder dormir na areia?
Sim e quantas vezes as balas de canhão devem voar
Antes de serem banidas pra sempre?
A resposta, meu amigo, está voando no vento
A resposta está voando no vento
Sim e por quantos anos uma montanha pode existir
Antes de ser lavada pelos oceanos?
Sim e por quantos anos algumas pessoas devem existir
Antes de poderem ser livres?
Sim e quantas vezes um homem pode virar a cabeça
Fingir que ele não vê
A resposta, meu amigo, está voando no vento
A resposta está voando no vento
Sim e quantas vezes um homem deve olhar pra cima
Antes de conseguir ver o céu?
Sim e quantos ouvidos um homem deve ter
Pra poder conseguir ouvir as pessoas chorarem?
Sim e quantas mortes serão necessárias até ele saber
Que pessoas demais morreram?
A resposta, meu amigo, está voando no vento
A resposta está voando no vento

Bob Dylan - Blowin' In The Wind (tradução)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Elegância - (Chanel)

Não há tempo para a monotonia do previsível. Há tempo para o trabalho. E tempo para o amor. Isso nos toma todo o tempo. Já que tudo está na nossa cabeça, é melhor não perdê-la.
Eu não entendo como uma mulher pode sair de casa sem se arrumar um pouco, mesmo que por delicadeza. Depois, nunca se sabe, talvez seja o dia em que ela tem um encontro com o destino. E é melhor estar tão bonita quanto for possível para o destino.
Elegância é quando o interior é tão belo quanto o exterior. Podemos nos acostumar com a feiúra, mas nunca com a negligência. Para ser insubstituível, você precisa ser diferente.

O preto domina tudo. Assim como o branco. Eles são beleza absoluta. São a harmonia perfeita. Coloque uma mulher de preto num salão de baile e todos os olhos estarão nela.
Luxo é ter uma roupa bem feita. O luxo precisa ser confortável, senão não é luxo.

Aos 20 anos, seu rosto é dado a você pela natureza. Aos 30, seu rosto é moldado pela vida. Mas, aos 50, cabe a você merecê-lo. Quando as pessoas perguntam minha idade, eu digo: Depois dos 50, depende do dia. Eu já não sou o que era: devo ser o que me tornei.

“Onde uma mulher deve usar perfume?” – perguntou-me uma moça.
“Onde ela quiser ser beijada”, eu respondi.

A moda não é algo presente apenas nas roupas. A moda está no céu, nas ruas, a modo tem a ver com idéias, a forma como vivemos, o que está acontecendo.
Quantos cuidados uma pessoa precisa tomar quando decide não ser algo, mas sim alguém.
O luxo não é o oposto da pobreza, mas da vulgaridade.
Uma mulher vestida de claro raramente fica de mau-humor.

Sou contra uma moda que não dure. É o meu lado masculino. Não consigo imaginar que se jogue uma roupa fora, só porque é primavera.

O mais corajoso dos atos é ainda pensar com a própria cabeça. A roupa deve ser, antes de tudo, cômoda e prática. É a roupa que deve adaptar-se ao corpo e não o corpo que deve deformar-se para adaptar-se a roupa.
(Gabrielle Bonheur Chanel mais conhecida como Coco Chanel (1883-1971) )

quarta-feira, 22 de julho de 2009

O LIVRO DA SOLIDÃO - (Cecilia Meireles)

Os senhores todos conhecem a pergunta famosa universalmente repetida: "Que livro escolheria para levar consigo, se tivesse de partir para uma ilha deserta...?" Vêm os que acreditam em exemplos célebres e dizem naturalmente: "Uma história de Napoleão." Mas uma ilha deserta nem sempre é um exílio... Pode ser um passatempo...
Os que nunca tiveram tempo para fazer leituras grandes, pensam em obras de muitos volumes. É certo que numa ilha deserta é preciso encher o tempo... E lembram-se das Vidas de Plutarco, dos Ensaios de Montaigne, ou, se são mais cientistas que filósofos, da obra completa de Pasteur. Se são uma boa mescla de vida e sonho, pensam em toda a produção de Goethe, de Dostoievski, de Ibsen. Ou na Bíblia. Ou nas Mil e uma noites.
Pois eu creio que todos esses livros, embora esplêndidos, acabariam fatigando; e, se Deus me concedesse a mercê de morar numa ilha deserta (deserta, mas com relativo conforto, está claro - poltronas, chá, luz elétrica, ar condicionado) o que levava comigo era um Dicionário.
Dicionário de qualquer língua, até com algumas folhas soltas; mas um Dicionário. Não sei se muita gente haverá reparado nisso - mas o Dicionário é um dos livros mais poéticos, se não mesmo o mais poético dos livros. O Dicionário tem dentro de si o Universo completo. Logo que uma noção humana toma forma de palavra - que é o que dá existência ás noções - vai habitar o Dicionário. As noções velhas vão ficando, com seus sestros de gente antiga, suas rugas, seus vestidos forade moda; as noções novas vão chegando, com suas petulâncias, seus arrebiques, às vezes, sua rusticidade, sua grosseria. E tudo se vai arrumando direitinho, não pela ordem de chegada, como os candidatos a lugares nos ônibus, mas pela ordem alfabética, como nas listas de pessoas importantes, quando não se quer magoar ninguém...
O Dicionário é o mais democrático dos livros. Muito recomendável, portanto, na atualidade. Ali, o que governa é a disciplina das letras. Barão vem antes de conde, conde antes de duque, duque antes de rei. Sem falar que antes do rei também está o presidente. O Dicionário responde a todas as curiosidades, e tem caminhos para todas as filosofias. Vemos as famílias de palavras, longas, acomodadas na sua semelhança, - e de repente os vizinhos tão diversos! Nem sempre elegantes, nem sempre decentes, - mas obedecendo á lei das letras,cabalística como a dos números...
O Dicionário explica a alma dos vocábulos: a sua hereditariedade e as suas mutações.E as surpresas de palavras que nunca se tinham visto nem ouvido!Raridades, horrores, maravilhas...Tudo isto num dicionário barato - porque os outros têm exemplos, frases que se podem decorar, para empregar nos artigos ou nas conversas eruditas, e assombrar os ouvintes e os leitores...
A minha pena é que não ensinem as crianças a amar o Dicionário. Ele contém todos os gêneros literários, pois cada palavra tem seu halo e seu destino - umas vão para aventuras, outras para viagens, outras para novelas, outras para poesia, umas para a história, outras para o teatro.E como o bom uso das palavras e o bom uso do pensamento são uma coisa só e a mesma coisa, conhecer o sentido de cada uma é conduzir-se entre claridades, é construir mundos tendo como laboratório o Dicionário, onde jazem, catalogados, todos os necessários elementos.
Eu levaria o Dicionário para a ilha deserta. O tempo passaria docemente, enquanto eu passeasse por entre nomes conhecidos e desconhecidos, nomes, sementes e pensamentos e sementes das flores de retórica. Poderia louvar melhor os amigos, e melhor perdoar os inimigos, porque o mecanismo da minha linguagem estaria mais ajustado nas suas molas complicadíssimas. E sobretudo, sabendo que germes pode conter uma palavra, cultivaria o silêncio, privilégio dos deuses, e ventura suprema dos homens.
(Cecília Meireles - SÃO PAULO, FOLHA DA MANHÃ, 11 DE JULHO DE 1948.)


n "A leitura de um bom livro é um diálogo incessante em que o livro fala e a alma responde.“ (André Maurois)

Namastê

A palavra Namasté é o cumprimento em sânscrito que literalmente significa “Curvo-me perante a ti”. É a forma mais digna de cumprimento de um ser humano para outro. Expressa um grande sentimento de respeito. Invoca a percepção de que todos nós compartilhamos da mesma essência, da mesma energia, do mesmo Universo.

Namasté possui a força pacífica muito intensa. Em síntese é “Saúdo a você, de coração! ”E deve ser retribuído com o mesmo cumprimento.
O Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em ti.
O Deus que há em mim saúda o Deus que há em ti.
O Espírito em mim reconhece o mesmo Espírito em você.
A minha essência saúda a sua essência.

Conhecido pelos budistas como Anjali Mudra, consiste no simples ato de pressionar as palmas das mãos ante o coração e os dedos apontando para cima, no centro do peito. Inclina-se levemente a cabeça sem ser acompanhado de palavras. Frequentemente fecha-se os olhos, para então curvar a coluna, em sinal de respeito à divindade que preenche todos os espaços do Universo. A coluna retorna à posição ereta mais lentamente do que quando abaixou, também simbolizando respeito à outra pessoa. Os cinco dedos da mão esquerda representam os cinco órgãos da razão. Significa então que mente e coração devem estar em harmonia, para que nosso pensar e agir estejam de acordo com a verdade.


Também é um reconhecimento da dualidade que existe no mundo, simbolizando a união das polaridades, esquerda direita, bem e mal e sugere um esforço de nossa parte para manter essas duas forças unidas em equilíbrio.
Dez dedos unidos no Namasté. O número dez é símbolo da perfeição, da unidade, do equilíbrio perfeito. Os dez Mandamentos. As dez emanações da Árvore da Vida. Os dez vértices da estrela de Pitágoras. A Parábola dos Dez talentos (Mt.25).
Toda a criatura é um reflexo dos dez atributos divinos: Apego, Bondade, Conhecimento, Entendimento, Esplendor, Harmonia, Perseverança, Realeza, Sabedoria, Severidade.
Namasté trás o Sagrado para dentro de cada ser humano, afirmando que Deus não está no céu, num templo ou mesmo na natureza. Deus está em tudo, em cada um de nós. E qualquer dissociação da imagem do divino da nossa é inútil. Ao fazer namasté, afirmamos que todos somos filhos e partes do sagrado, indissociáveis e iguais.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Do Livro: O homem que veio da sombra

Adeus: É quando o coração que parte deixa a metade com quem fica.

Amigo: É alguém que fica para ajudar quando todo mundo se afasta.

Amor ao próximo: É quando o estranho passa a ser o amigo que ainda não abraçamos.

Caridade: É quando a gente está com fome, só tem uma bolacha e reparte.

Carinho: É quando a gente não encontra nenhuma palavra para expressar o que sente e fala com as mãos, colocando o afago em cada dedo.

Ciúme: É quando o coração fica apertado porque não confia em si mesmo.

Cordialidade: É quando amamos muito uma pessoa e tratamos todo mundo da maneira que a tratamos.

Entendimento: É quando um velhinho caminha devagar na nossa frente e a gente estando apressado não reclama.

Evangelho: É um livro que só se lê bem com o coração.

Evolução: É quando a gente está lá na frente e sente vontade de buscar quem ficou para trás.

Fé: É quando a gente diz que vai escalar um Everest e o coração já o considera feito.

Filhos: É quando Deus entrega uma jóia em nossa mão e recomenda cuidá-la.

Fome: É quando o estômago manda um pedido para a boca e ela silencia.

Inimizade: É quando a gente empurra a linha do afeto para bem distante.

Inveja: É quando a gente ainda não descobriu que pode ser mais e melhor do que o outro.

Lágrima: É quando o coração pede aos olhos que falem por ele.

Lealdade: É quando a gente prefere morrer que trair a quem ama.

Mágoa: É um espinho que a gente coloca no coração e se esquece de retirar.

Maldade: É quando arrancamos as asas do anjo que deveríamos ser.

Morte: Quer dizer viagem, transferência ou qualquer coisa com cheiro de eternidade.

Netos:
É quando Deus tem pena dos avós e manda anjos para alegrá-los

Ódio:
É quando plantamos trigo o ano todo e estando os pendões maduros a gente queima tudo em um dia.

Orgulho: É quando a gente é uma formiga e quer convencer os outros de que é um elefante.

Paz: É o prêmio de quem cumpre honestamente o dever.

Perdão: É uma alegria que a gente se dá e que pensava que jamais a teria.

Perfume: É quando mesmo de olhos fechados a gente reconhece quem nos faz feliz.

Pessimismo: É quando a gente perde a capacidade de ver em cores.

Preguiça: É quando entra vírus na coragem e ela adoece.

Raiva: É quando colocamos uma muralha no caminho da paz.

Reencarnação: É quando a gente volta para o corpo, esquecido do que fez, para se lembrar do que ainda não fez.

Saudade: É estando longe, sentir vontade de voar, e estando perto, querer parar o tempo.

Sexo:
É quando a gente ama tanto que tem vontade de morar dentro do outro.

Simplicidade: É o comportamento de quem começa a ser sábio.

Sinceridade: É quando nos expressamos como se o outro estivesse do outro lado do espelho.

Solidão: É quando estamos cercado por pessoas, mas o coração não vê ninguém por perto.

Supérfluo: É quando a nossa sede precisa de um gole de água e a gente pede um rio inteiro.

Ternura: É quando alguém nos olha e os olhos brilham como duas estrelas.

Vaidade: É quando a gente abdica da nossa essência por outra, geralmente pior.

(Luiz Gonzaga Pinheiro)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

PRAZER PELA METADE


Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de sobremesa, contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha frente uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido - uma só. Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa. Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.
O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano. A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade. A gente sai pra jantar, mas come pouco. Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons. Conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser rotulada de “fácil”). Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta. Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo, mas tem medo de fazer papel ridículo. Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD, esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar. E por aí vai.
Tantos deveres, tanta preocupação em “acertar”, tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação… Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão. Às vezes dá vontade de fazer tudo “errado” - deixar de lado a régua, o compasso, a bússola, a balança e os 10 mandamentos. Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito. Recusar prazeres incompletos e meias porções. Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase mais ou menos assim: “Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora”.
Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete, bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado. Um dia a gente cria juízo. Um dia. Não tem que ser agora. Por isso, garçom, por favor, me traga: cinco bolas de sorvete de coco, um sofá pra eu ver 10 episódios do “Law and Order”, uma caixa de trufas bem macias e o Clive Owen embrulhado pra presente - não necessariamente nessa ordem. Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago.
(Leila Ferreira)

sábado, 4 de julho de 2009

O que é o amor

Por mais que o poder e o dinheiro tenham conquistado uma ótima posição no ranking das virtudes, o amor ainda lidera com folga. Tudo o que todos querem é amar. Encontrar alguém que faça bater forte o coração e justifique loucuras. Que nos faça entrar em transe, cair de quatro, babar na gravata. Que nos faça revirar os olhos, rir à toa, cantarolar dentro de um ônibus lotado. Tem algum médico aí??

Depois que acaba esta paixão retumbante, sobra o que? O amor. Mas não o amor mistificado, que muitos julgam ter o poder de fazer levitar. A diferença é que, como entre marido e mulher não há laços de sangue, a sedução tem que ser ininterrupta. Por não haver nenhuma garantia de durabilidade, qualquer alteração no tom de voz nos fragiliza, e de cobrança em cobrança acabamos por sepultar uma relação que poderia ser eterna.

Casaram. Te amo prá lá, te amo prá cá. Lindo, mas insustentável. O sucesso de um casamento exige mais do que declarações românticas. Entre duas pessoas que resolvem dividir o mesmo teto, tem que haver muito mais do que amor, e às vezes nem necessita de um amor tão intenso.
É preciso que haja, antes de mais nada, respeito. Agressões zero. Disposição para ouvir argumentos alheios. Alguma paciência.
Amor, só, não basta.

Não pode haver competição. Nem comparações. Tem que ter jogo de cintura para acatar regras que não foram previamente combinadas. Tem que haver bom humor para enfrentar imprevistos, acessos de carência, infantilidades. Tem que saber levar. Amar, só, é pouco.
Tem que haver inteligência. Um cérebro programado para enfrentar tensões pré-menstruais, rejeições, demissões inesperadas, contas pra pagar. Tem que ter disciplina para educar filhos, dar exemplo, não gritar. Tem que ter um bom psiquiatra. Não adianta, apenas, amar.

Entre casais que se unem visando a longevidade do matrimônio tem que haver um pouco de silêncio, amigos de infância, vida própria, um tempo pra cada um. Tem que haver confiança. Uma certa camaradagem, às vezes fingir que não viu, fazer de conta que não escutou. É preciso entender que união não significa, necessariamente, fusão.
E que amar, "solamente", não basta.

Entre homens e mulheres que acham que o amor é só poesia, tem que haver discernimento, pé no chão, racionalidade. Tem que saber que o amor pode ser bom, pode durar para sempre, mas que sozinho não dá conta do recado. O amor é grande mas não é dois.
É preciso convocar uma turma de sentimentos para amparar esse amor que carrega o ônus da onipotência. O amor até pode nos bastar, mas ele próprio não se basta
.

(Arthur da Távola)

domingo, 21 de junho de 2009

EDUCAR

O educador diz: “Veja!” - e, ao falar, aponta.O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu. Seu mundo se expande. Ele fica mais rico interiormente. E, ficando mais rico interiormente, ele pode sentir mais alegria e dar mais alegria - que é a razão pela qual vivemos.

Já li muitos livros sobre psicologia da educação, sociologia da educação, filosofia da educação – mas, por mais que me esforce, não consigo me lembrar de qualquer referência à educação do olhar ou à importância do olhar na educação, em qualquer deles. A primeira tarefa da educação é ensinar a ver. É através dos olhos que as crianças tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo.Os olhos têm de ser educados para que nossa alegria aumente.

A educação se divide em duas partes: educação das habilidades e educação das sensibilidades. Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido. Os conhecimentos nos dão meios para viver. A sabedoria nos dá razões para viver.

Quero ensinar as crianças. Elas ainda têm olhos encantados. Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar diante do banal. Para as crianças, tudo é espantoso: um ovo, uma minhoca, uma concha de caramujo, o vôo dos urubus, os pulos dos gafanhotos, uma pipa no céu, um pião na terra. Coisas que os eruditos não vêem.

Na escola eu aprendi complicadas classificações botânicas, taxonomias, nomes latinos – mas esqueci. Mas nenhum professor jamais chamou a minha atenção para a beleza de uma árvore ou para o curioso das simetrias das folhas. Parece que, naquele tempo, as escolas estavam mais preocupadas em fazer com que os alunos decorassem palavras que com a realidade para a qual elas apontam. As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos.

As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Quando a gente abre os olhos, abrem-se as janelas do corpo, e o mundo aparece refletido dentro da gente. São as crianças que, sem falar, nos ensinam as razões para viver. Elas não têm saberes a transmitir. No entanto, elas sabem o essencial da vida.

Quem não muda sua maneira adulta de ver e sentir e não se torna como criança jamais será sábio. As crianças não têm idéias religiosas, mas têm experiências místicas.
Experiência mística não é ver seres de um outro mundo. É ver este mundo iluminado pela beleza.


(Rubem Alves)

sábado, 20 de junho de 2009

SE

Se és capaz de manter tua calma,
quando, todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!

(Rudyard Kipling -Tradução de Guilherme de Almeida)


nnn nnn nnn nnn nnn nnn nnn nnn nnn nnn

SE

Se podes conservar o teu bom senso e a calma
o mundo a delirar para quem o louco és tu...
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê...


Se vais faminto e nu,
Trilhando sem revolta um rumo solitário...
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão...


Se podes dizer bem de quem te calunia...
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(Mas sem a afetação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)...


Se podes esperar sem fatigar a esperança...
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho...
Fazer do pensamento um arco de aliança,
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho...


Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores...
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores...


Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste...


Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio a construir de novo...


Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só exista a vontade a comandar avante...


Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre...
Se vivendo entre os reis, conservas a humildade...
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade...


Se quem conta contigo encontra mais que a conta...
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minute se espraie em séculos fecundos...


Então, a ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!...
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.


Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um homem!...


(Rudyard Kipling - outra tradução do mesmo poema)

sobre os filhos...

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.
Gibran Kahlil Gibran


quarta-feira, 17 de junho de 2009

Se eu fosse um padre

Se eu fosse um padre,
eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado -
muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...

Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma. ..
a um belo poema - ainda que de Deus se aparte
-um belo poema sempre leva a Deus!
(Mario Quintana)

terça-feira, 9 de junho de 2009

Vaidade

Cirurgia de lipoaspiração?
Pelo amor de Deus, eu não quero usar nada nem ninguém...
Nem falar do que não sei...
Nem procurar culpados...
Nem acusar ou apontar pessoas...
Mas ninguém está percebendo que toda essa busca insana pela estética ideal...
É muito menos lipo-as e muito mais piração?
Uma coisa é saúde outra é obsessão.
O mundo pirou, enlouqueceu.
Hoje, Deus é a auto imagem.
Religião, é dieta.
Fé, só na estética.
Ritual é malhação.
Amor é cafona, sinceridade é careta, pudor é ridículo, sentimento é bobagem.
Gordura é pecado mortal.
Ruga é contravenção.
Roubar pode, envelhecer, não.
Estria é caso de polícia.
Celulite é falta de educação.
Um mau caráter bem sucedido é exemplo de sucesso.
A máxima moderna é uma só: pagando bem, que mal tem?
A sociedade consumidora, a que tem dinheiro, a que produz, não
pensa em mais nada além da imagem, imagem, imagem.
Imagem, estética, medidas, beleza. Nada mais importa.
Não importam os sentimentos, não importa a cultura, a sabedoria, orelacionamento, a amizade, a ajuda, nada mais importa.
Não importa o outro, o coletivo. Jovens não tem mais fé, nem idealismo, nem posição política.
Adultos perdem o senso em busca da juventude fabricada.
Ok, eu também quero me sentir bem, quero caber nas roupas, quero ficar legal, quero caminhar correr, viver muito, ter uma aparência legal mas...
Uma sociedade de adolescentes anoréxicas e bulímicas, de jovens lipoaspirados, turbinados, aos vinte anos não é natural. Não é, não pode ser.
Que as pessoas discutam o assunto. Que alguém acorde. Que o mundo mude.
Que eu me acalme. Que o amor sobreviva.
(Herbert Viana)

segunda-feira, 1 de junho de 2009

DEUS

O Universo é obra inteligentíssima:
obra que transcende a mais genial inteligência humana.
E como todo efeito inteligente tem uma causa inteligente,
é forçoso inferir que a do Universo é superior a toda inteligência:
É a inteligência das inteligências;
A causa das causas;
A lei das leis;
O princípio dos princípios;
A razão das razões;
A consciência das consciências;

É Deus. Deus!
Nome mil vezes santo, que Newton jamais pronunciava sem se descobrir!
Deus!Vós que vos revelais pela natureza,
Vossa filha e nossa mãe,reconheço-vos eu, Senhor,
Na poesia da criação; na criança que sorri;
No ancião que tropeça; no mendigo que implora;
Na mão que assiste; na mãe que vela;
No pai que instrui; no apóstolo que evangeliza;
Reconheço-vos eu, Senhor, no amor da esposa,
No afeto do filho; na estima da irmã;
Na justiça do justo; na misericórdia do indulgente;
Na fé do pio; na esperança dos povos;
Na caridade dos bons; na inteireza dos íntegros;

Deus!Reconheço-vos eu, Senhor,
No estro do vate; na eloquência do orador;
Na inspiração do artista; na santidade do moralista;
Na sabedoria do filósofo; nos fogos do gênio!
Deus! Reconheço-vos eu, Senhor,
Na flor dos vergéis; na relva dos vales;
No matiz dos campos; na brisa dos prados;
No perfume das campinas; no murmúrio das fontes;
No rumorejo das franças; na música dos bosques;
Na placidez dos lagos; na altivez dos montes;
Na amplidão dos oceanos; na majestade do firmamento!

Deus!Reconheço-vos eu, Senhor,
Nos lindos antélios; no íris multicor;
Nas auroras polares; no argênteo da lua;
No brilho do sol; na fulgência das estrelas;
No fulgor das constelações!

Deus! Reconheço-vos eu, Senhor,
Na formação das nebulosas; na origem dos mundos;
Na gênesis dos sóis; no berço das humanidades;
Na maravilha, no esplendor, no sublime infinito!Deus!
Reconheço-vos eu, Senhor,com Jesus, quando ora:
“PAI NOSSO QUE ESTAIS NOS CÉUS”...
Ou com os anjos,quando cantam:
“GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS”..."
(Eurípedes Barsanulfo)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Eu sei que a gente acostuma

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá pra almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos. E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz. E não aceitando as negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes. A abrir as revistas e a ver anúncios. A ligar a televisão e a ver comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(Marina Colassanti)

quarta-feira, 29 de abril de 2009

MULHER INVISÍVEL

Dizem que a uma certa idade, nós as mulheres, nos fazemos invisíveis. Que nossa atuação na cena da vida diminui e que nos tornamos inexistentes para um mundo onde só cabe o impulso dos anos jovens.
Eu não sei se me tornei invisível para o mundo. Pode ser, porém nunca fui tão consciente da minha existência como agora.
Nunca me senti tão protagonista da minha vida e nunca desfrutei tanto cada momento da minha existência.
Descobri que não sou uma princesa de contos de fada. Descobri o ser humano sensível que sou e também muito forte, com suas misérias e suas grandezas.
Descobri que posso me permitir o luxo de não ser perfeita, de estar cheia de defeitos, de ter fraquezas, de enganar, de fazer coisas indevidas e de não responder as expectativas dos outros.
E apesar disso, gostar de mim.
Quando me olho no espelho e procuro quem fui, sorrio àquela que sou. Alegro-me do caminho andado. Assumo minhas contradições.
Sinto que devo saudar a jovem que fui com carinho, mas deixá-la de lado porque agora me atrapalha. É bom viver sem ter tantas obrigações.
Que bom não sentir um desassossego permanente causado por correr atrás de tantos sonhos.
(Desconheço a autora)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

CÂNTICO NEGRO

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...Ide!
Tendes estradas, tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
-- Sei que não vou por aí!
(José Régio)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

A crise segundo Einstein

Não pretendemos que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor bênção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar superado. Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais aos problemas do que às soluções. A verdadeira crise, é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la.”
(Albert Einstein)

quinta-feira, 26 de março de 2009

CATIVEIRO

O Zoológico de Sapucaia do Sul abrigou um dia um macacão chamado Alemão. Em um domingo de sol, Alemão conseguiu abrir o cadeado e escapou. Ele tinha o largo horizonte do mundo à sua espera. Tinhas as árvores do bosque ao alcance de seus dedos. Tinha o vento sussurrando promessas em seus ouvidos. Alemão tinha tudo isso. Ele passara a vida tentando abrir aquele cadeado. Quando conseguiu, virou as costas. Em vez de mergulhar na liberdade, desconhecida e sem garantias, Alemão caminhou até o restaurante lotado de visitantes. Pegou uma cerveja e ficou bebericando no balcão. Os humanos fugiram apavorados. Por que fugiram? O macaco havia virado um homem.

O perturbador desta historia real não é a semelhança entre o homem e o macaco. Tudo isso é tão velho quanto Darwin. O aterrador é que, como homem, o macaco virou as costas para a liberdade. E foi ao bar beber uma.
Um zoológico serve para muitas coisas, algumas delas edificantes. Mas um zoológico serve, principalmente, para que o homem tenha a chance de, diante da jaula do outro, certificar-se de sua liberdade. E da superioridade de sua espécie. Pode então voltar para o apartamento financiado em 15 anos satisfeito com sua vida. Abrir as grades da porta contente com seu molho de chaves e se aboletar no sofá em frente à TV. Acorda na segunda-feira feliz para o batente. Feliz por ser homem. E por ser livre.

Há duas maneiras de se visitar um zoológico: com ou sem inocência. A primeira é a mais fácil. E a única com satisfação garantida. A outra pode ser uma jornada sombria para dentro do espelho. Sem glamour e também sem volta. Acompanhe, se quiser.

O babuíno sagrado tem um nome comum. Beto. À espreita lá onde os olhos se misturam com a mente, há o mais perigoso tipo de fúria. A da impotência. Beto dá voltas e mais voltas na jaula, esmurra as grades. Atira comida e fezes nos visitantes. Espanca a companheira se ela não faz tudo o que ele quer. Não admite que emita um som sem a sua permissão. Não deixa que arrede pé sem a sua complacência. Se o faz, Beto cobre-a de tapas. Se a tiram de perto dele, Beto piora. Começa a arrancar pedaços do próprio corpo. Durante as crises, Beto toma dez miligramas de Valium por dia.

Os tigres-de-bengala são reis de fantasia. Têm voz, possuem músculos, são magníficos. Mas nascidos em cativeiro, já chegaram ao mundo sem essência. São um desejo que nunca se tornará. Adivinham as selvas úmidas da Ásia, mas nem sequer reconhecem as estrelas. Quando o sol escorrega sobre a região metropolitana, são trancafiados em furnas de pedra, claustrofóbicas. De nada servem as presas a caçadores que comem carne de cavalo abatido em frigorífico. De nada serve a sanha a quem dorme enrodilhado, exilado não do que foi, mas do que poderia ter sido. E que jamais será. Anos atrás, um dos seus bisavôs galgou a escada do tratador e espiou para além dos muros. Foi o mais longe que um deles chegou. São poderosos, os tigres-de-bengala. Mas quando chega a hora de serem confinados na caverna escura de sua escravidão, viram a costas para a lua que aponta como promessa e marcham para a jaula. Alquebrados, submissos, como o mais vil animal da floresta.

Pink vive só. Os outros dois elefantes, Nely e Mohan, caíram no fosso e sucubiram. O fosso é a prisão dos elefantes. Mohan viveu seis anos acorrentado porque o cativeiro de sua espécie não estava pronto. Quando o soltaram, durou três meses. Morreu tentando alcançar a liberdade. Ou apenas um dos cães que perambulam por lá e são achados aos pedaços. Dos três, Nely sempre foi a mais indomável. Dezenove anos atrás, matou um visitante. Um mineiro de Criciúma que comemorava a aposentadoria. Recém-liberto da solidão trevosa das minas de carvão, ele montou sobre Nely. Ela o derrubou sobre o chão e esmagou sua cabeça. Tão parecidos em sua tragédia, a elefanta e o homem. Foram três as vezes em que Nely mergulhou no fosso. Numa delas, perdeu parte da barriga e uma mama na queda. Não desistiu. Morreu na terceira, tentando. Como nunca esquece, a elefanta Pinky assimilou o exemplo. E convenceu-se de que implacável é a punição para quem ousa dar um passo além do permitido.

A revelação dessa visita subversiva ao zoológico é que, no cativeiro, os animais se humanizam. O cárcere lhes arranca a vida, o desejo e a busca. E mais e mais vão se parecendo com os homens que os procuram na certeza de um álibi. Perigosa é a pergunta.
O que aconteceria se você encontrasse a chave do cadeado invisível de sua vida? O que aconteceria se você saltasse sobre o fosso de sua rotina? O que aconteceria se você desse o passo da elefanta. Bem, talvez seja melhor caminhar ate o balcão e beber uma.
(Eliane Brum – Jornal ZERO HORA – 11/set/1999)

domingo, 8 de março de 2009

MEU LADO MULHER

Meu lado mulher incomoda-se de receber homenagens num único dia do ano - 8 de março -, enquanto meu lado homem se farta com 364 dias. Talvez se faça necessária esta efeméride, dor recente de uma cicatriz antiga. Porque se vive numa sociedade machista: matrimônio - o cuidado do lar; patrimônio - o domínio dos bens. O marido possui a casa, o carro e a mulher, que incorpora ao nome o da família dele. A casa, ele exige que se limpe todo dia. O carro, envia à oficina ao menor defeito. À mulher, ser polivalente, cabe o dever de cuidar da casa, dos filhos, das compras e do bom-humor do marido, que nem sempre se lembra de cuidar dela.
Meu lado mulher nunca viu o marido gritar com o carro, ameaçá-lo ou agredi-lo. Nem sempre, entretanto, ela é tratada com o mesmo respeito. Ele esquece que marido e mulher não são parentes, são amantes. Ou deveriam ser. Na Igreja Católica, os homens têm acesso aos sete sacramentos. Podem até ser ordenados padres e, mais tarde, obter dispensa do ministério e contrair matrimônio. Toda a hierarquia da mais antiga instituição do mundo é de homens. O que seria dela e deles se não fossem as mulheres? As mulheres, consideradas pela teologia vaticana um ser naturalmente inferior, só têm acesso a seis sacramentos. Não podem receber a ordenação sacerdotal, embora tenham merecido de Jesus o útero que o gerou; o seguimento de Joana, de Susana e da mãe dos filhos de Zebedeu; a defesa da mulher adúltera; o perdão à samaritana; a amizade de Madalena, primeira testemunha de sua ressurreição.
Meu lado mulher tem pavor da violência doméstica; do imbecil que diz bobagens quando a garota passa; do pai que assedia a filha, jogando-a nas garras da prostituição; do patrão que exige préstimos sexuais da funcionária; do marido que ergue a mão para profanar o ser que deu à luz seus filhos. Diante da TV ou de uma banca de revistas, meu lado mulher estremece: cala a boca, Magda! Ela é a burra, a idiota que rebola no fundo do palco, mergulha na banheira do Gugu, expõe-se na casa dos brothers, associa-se à publicidade de cervejas e carros, como um adereço a mais de consumo.
Meu lado mulher tenta resistir ao implacável jogo da desconstrução do feminino: tortura do corpo em academias de ginástica; anorexia para manter-se esbelta; vergonha das gorduras, das rugas e da velhice; entrega ao bisturi que amolda a carne segundo o gosto da clientela do açougue virtual; o silicone a estufar protuberâncias. E manter a boca fechada, até que haja no mercado um chip transmissor automático de cultura e inteligência, a ser enxertado no cérebro. E engolir antidepressivos para tentar encobrir o buraco no espírito, vazio de sentido, ideais e utopia.
Meu lado mulher esforça-se por livrar-se do modelo emancipatório que adota, como paradigma, meu lado homem. Serei ela se ousar não querer ser como ele. Sereia em mares nunca dantes navegados, rumo ao continente feminino, onde as relações de gênero serão de alteridade, porque o diferente não se fará divergente. Aquilo que é só alcançará plenitude em interação com o seu contrário. Como ocorre em todo verdadeiro amor.
(Frei Betto - Jornal do Brasil, 08.03.06)

sábado, 7 de março de 2009

Quando Deus aparece

Tenho amigas de fé. Muitas. Uma delas, que é como uma irmã, me escreveu um e-mail me contando a maravilha que foi o recital do pianista Nelson Freire no Theatro São Pedro, recentemente. Ela escreveu: "Nessas horas Deus aparece". Fiquei com essa frase retumbando na minha cabeça. Deus não está em promoção, se exibindo por aí. Ele escolhe, dentro do mais rigoroso critério, os momentos de aparecer pra gente. Não sendo visível aos olhos, ele dá preferência à sensibilidade como via de acesso a nós. Eu não sou uma católica praticante e ritualística - não vou à missa. Mas valorizo essas aparições como se fosse a chegada de uma visita ilustre, que me dá sossego à alma.

Quando Deus aparece pra você?
Pra mim, ele aparece sempre através da música, e nem precisa ser um Nelson Freire. Pode ser uma música popular, pode ser algo que toque no rádio, mas que me chega no momento exato em que preciso estar reconciliada comigo mesma. De forma inesperada, a música me transcende.

Deus me aparece nos livros, em parágrafos em que não acredito que possam ter sido escritos por um ser mundano: foram escritos por um ser mais que humano.Deus me aparece - muito! - quando estou em frente ao mar. Tivemos um papo longo, cerca de um mês atrás, quando havia somente as ondas entre mim e ele. A gente se entende em meio ao azul, que seria a cor de Deus, se ele tivesse uma.
Deus me aparece - e não considere isso uma heresia - na hora do sexo, desde que feito com quem se ama. É completamente diferente do sexo casual, do sexo como válvula de escape. Diferente, preste atenção. Não quer dizer que qualquer sexo não seja bom.Nesse exato instante em que escrevo, estou escutando My Sweet Lord cantado não pelo George Harrison (que Deus o tenha), mas por Billy Preston (que Deus o tenha também) e posso assegurar: a letra é um animado bate-papo com Ele, ritmado pelo rock’n’roll. Aleluia.

Deus aparece quando choro. Quando a fragilidade é tanta que parece que não vou conseguir me reerguer. Quando uma amiga me liga de um país distante e demonstra estar mais perto do que o vizinho do andar de cima. Deus aparece no sorriso do meu sobrinho e no abraço espontâneo das minhas filhas. E nas preocupações da minha mãe, que mãe é sempre um atestado da presença desse cara.E quando eu o chamo de cara e ele não se aborrece, aí tenho certeza de que ele está mesmo comigo.
(por Martha Medeiros, publicado em 03/agosto/2008 no Jornal Zero Hora/RS)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

BIOLÓGICAS, EXATAS E DESUMANAS

Não terei tempo de procurar na rede o nome do culpado pela divisão das disciplinas de educação em três vertentes, mas de alguma forma o conhecimento formal ficou dividido em ciências biológicas, ciências exatas e ciências humanas. Acho lindo que tudo seja tratado de forma cientifica e organizada mas temo que esta tripartição não tenha sido um bom negócio, especialmente hoje, vendo que duas pernas se desenvolveram e uma ficou atrofiada. O homem passeia em Marte com seu robô e envia imagens ao vivo, com exatidão tecnológica surpreendente. Aqui na Terra, clona-se seres vivos e as esperanças de cura se renovam com o desenvolvimento de pesquisas com células-tronco. O tripé do conhecimento desenvolveu pernas longas e bem torneadas para as exatas e biológicas. Infelizmente, com o crescimento das outras duas, a terceira perninha, as ciências humanas, que incluem coisas como a filosofia e a ética, ficou ali, atrofiada e penduradinha como um bilauzinho no inverno polar. E isso, tem tudo a ver com a crise humana do mundo atual.
Estamos todos mais grotescos, mais rudes, mais estúpidos. Somos bem informados mas nos tornamos ignorantes. Temos automóveis com GPS mas dirigimos como trogloditas neuróticos. Viajamos pelo mundo inteiro mas temos preguiça de procurar o baldinho de lixo para jogar o papelzinho da bala. A falta de finesse é geral. Isso tudo, se não for coisa do demo, se não for a prova definitiva de que o projeto 'ser humano' não deu certo, só pode ser atribuído à falta de atenção que demos às ciências humanas, justamente aquelas mais sutis, que não dependem de equações, que não se baseiam nas medições matemáticas e não podem ser testadas em laboratório.
O vórtice vicioso que nos suga ralo abaixo passa por todas as estatísticas de descaso com as disciplinas que podem desenvolver o refinamento das pessoas. Não existem empregos para filósofos, sociólogos, pedagogos, historiadores, cientistas sociais. E, por não ter mercado, os estudantes não optam por estas matérias na hora de fazer o vestibular. Como a procura é pouca, há poucos cursos e etc. e tal.
O que fazer? Bem, esta é uma resposta para as ciências humanas também. Quem tiver sobrevivido na área terá que formular as soluções para esta crise de humanidade que vivemos hoje. Não sei onde o flower power murchou, onde o amor livre foi preso ou como a vida em fazendas cooperativas se transformou nesse mar de prédios de escritórios neuróticos baseados na competição. Só sei que temos que voltar até a bifurcação onde tomamos a trilha errada. Nesta trilha, ansiedade e depressão nos matam, o estresse e a má alimentação engordam, a ira destrói toda nossa capacidade de sentir e amar.
Eu, lentamente, comecei a voltar. E adoraria contar com todas as pessoas de bem, os irmãos de fé, os companheiros de jornada, os camaradas de ideologia, os humanos de coração, para um grande encontro de volta naquele velho ponto da bifurcação. Onde um dia, alguém colocou uma flor no cano de uma carabina.
Humanos, uni-vos.
(Rosana Hermann escreve no Blônicas todas as quartas, sempre uma crônica de quinta, até segunda ordem.)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

METADES

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...
Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como preceE nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...
Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para faze-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.
(Oswaldo Montenegro)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Negócio de Ocasião

Não perca a oportunidade, negócio de ocasião.
Por motivo de abandono, liquida-se a preços módicos, um coração em ótimo estado de conservação.
Garante-se, funcionamento perfeito, com experiência comprovada de duração, em todos os tipos de situações.
Garante-se também, adaptação a todas as dificuldades e uma incrível facilidade para solucionar problemas que exigem compreensão, tolerância e maturidade.
Muito econômico, não consome praticamente energia nenhuma, recomenda-se apenas alguns sorrisos dóceis, umas poucas palavras românticas, e quaisquer sobras de carinho por ventura exista.
Sendo material de fino acabamento, sugere-se que não seja mantido em local árido, nem úmido demais. O ideal será localizá-lo em ponto de fácil acesso, onde suas qualidades sejam freqüentemente estimuladas, para não correr o risco de cessarem seus movimentos.
Há ainda a possibilidade de se conseguir coisas incríveis de tal objeto, pois não se exigiu tudo de que é capaz, tudo levando a crer que sua utilidade seja praticamente infinita, desde a cura de uma simples dor de cabeça, até o preenchimento total de uma solidão, passando por uma infinidade de situações, todas elas altamente sensíveis.
De preferência dê campo a sua imaginação, cultivando suas ilusões e repartindo de seus sonhos, crendo que estes sejam perfeitamente realizáveis, e sempre que puder ofereça-se para ajudar a torná-los realidade, muito embora não seja preciso cumprir tais promessas.
Mantenha-o constantemente a uma certa distância, de tal modo que possa se utilizar dele, no momento que lhe convier, repelindo-o em todos os instantes que julgar conveniente.
Outras informações quaisquer poderão ser obtidas no local.
Aceitam-se propostas para permutas ou transferências para outros locais.
Não perca a oportunidade, negócio de ocasião.
(Celso Machado)

Rifa-se um coração

Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista. Um coração como poucos. Um coração à moda antiga. Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, meio calejado,muito machucado e que teima em alimentar sonhos e, cultivar ilusões. Um pouco inconseqüente que nunca desiste de acreditar nas pessoas. Um leviano e precipitado coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu..."não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu espero...".

Um idealista... Um verdadeiro sonhador...Rifa-se um coração que nunca aprende. Que não endurece e, mantém sempre viva a esperança de ser feliz, sendo simples e natural.Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiente para se apaixonar. Um furioso suicida que vive procurando relações e emoções verdadeiras.

Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros.Esse coração que erra, briga, se expõe. Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições arrependido de palavras e gestos. Este coração tantas vezes incompreendido. Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo. Rifa-se este desequilibrado emocional que, abre sorrisos tão largos que quase dá para engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto. Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes. Um órgão abestado indicado apenas para quem quer viver intensamente e, contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções.


Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco seu usuário. Um coração que quando parar de bater ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas: "O Senhor pode conferir. Eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer".

Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu usuário. Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconseqüente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado.Um verdadeiro caçador de aventuras que, ainda não foi adotado, provavelmente,por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo.

Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. Um simples coração humano. Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado. Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar, mas vez por outra, constrange o corpo que o domina. Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e, ter a petulância de se aventurar como poeta.
(desconheço o autor)