sábado, 31 de outubro de 2009

SOLIDÃO


Eu não vou ficar aqui discorrendo sobre a solidão romântica como se ela fosse uma tese de doutorado nem dizer que preciso me amar para nunca me sentir sozinha (se o Colin Farrell me amasse, também não seria nada mau). Da mesma forma , jamais direi que a falta que eu sinto do amor de um homem pode ser suprida pelo amor a Deus, a meus amigos ou meus animais de estimação. Isso seria a mesma coisa que afirmar “quando você tiver fome, tome um banho”!
Eu tenho náuseas quando alguém me diz: “Ora, por que você esta triste? Você tem saúde: pode trabalhar, andar, ver, ouvir!” Sim, eu tenho saúde, eu caminho, enxergo, ouço – e o que isso tem a ver com a dor de levar um pé nos fundilhos? Posso chorar ou estou proibida pela patrulha do politicamente correto? Será que certos autores de livros de autoajuda vão me fuzilar num paredão por eu afirmar que não posso substituir uma necessidade por outra? A pílula da felicidade que eles não cansam de nos vender não passa de um placebo. A necessidade de algo que transcenda a matéria não pode ser substituída por uma ida ao shopping (e vice-versa), da mesma forma que o fato de alguém ter saúde não aplaca a dor que se sente ao ter o coração partido em duzentos e vinte e cinco mil pedaços. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Algumas pessoas apontam trabalho voluntário como remédio para a solidão romântica, mas que idéia ridícula! E o olhar aliviado de uma pessoa com frio recebendo uma manta vai substituir o roçar sedutor da barba malfeita do homem que eu desejo?
Só existe uma coisa que pode aliviar minha solidão: um romance. Mas o que estou dizendo? Silêncio! Esconda esta lepra emocional, menina. Carência é lepra, sim. Daqui a pouco haverá bunkers nos arredores das grandes cidades nos quais os carentes serão depositados aos borbotões sob a alegação de que poderiam contaminar, com seus queixumes, os seres felizes do planeta. Carência fede. E não há nada, absolutamente nada que afaste mais um homem de que o cheiro nauseabundo de uma mulher carente. Sem perceber, sem desejar, sem nem mesmo conseguir evitar, você se transforma numa vira-lata ansiosa por um naco de osso velho e descarnado. E esse osso está na mão dele.
(Stella Florence)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Saudade e Lembrança

Saudade e lembrança: podem parecer sinônimos.
Idéia igual, mas diferente no sentir.
Lembrança é da memória, saudade é da alma.
Muitas lembranças, poucas saudades.
Lembranças surgem com um cheiro, uma música, uma palavra.
Saudade surge sozinha, emerge do fundo do peito
onde é guardada com carinho.
Lembrança pode ser boa, mas quando não é,
pode-se afastá-la convocando outra lembrança
ou convocando outro pensamento para o lugar,
ligando a TV ou lendo o jornal.
Saudade é sempre boa, mesmo quando dói,
e não se apaga mesmo que outra pessoa
tente ocupar o lugar vazio.
Ela pode coexistir com um novo amor, sem machucá-lo.
Lembrança é de algo real, de um lugar, uma época, uma pessoa.
Saudade pode ser do que não houve, de uma possibilidade,
de lábios jamais tocados.
Lembrança pode ser contada, medida, localizada,
e com algum esforço,
pode até ser calculada com uma fórmula matemática,
ao gosto dos engenheiros.
Saudade é dos poetas, é pautada em rimas e melodias;
vontade de ver outra pessoa segundo os poetas,
teria outro nome, seria uma saudade com tempero, eu acho.
Lembrança pode ser sem som, pode não doer.
Saudade jamais é sem som.
Se ela não vier com música de fundo,
a gente coloca, só para ficar mais bonita, mais gostosa de sentir,
para preencher mais a alma vazia.
Lembrança vence a morte, mas conforma-se com a ausência,
respeita convenções.
Saudade ignora a morte, vence distâncias,
barreiras e preconceitos.
Lembrança aceita nosso comando,
vai e volta quando queremos.
Saudade é irreverente, independente e auto suficiente.
(Solange Gouvâ)