quarta-feira, 16 de abril de 2008

ESTATUTO DO HOMEM

Fica decretado que agora vale a verdade,
que agora vale a vida,
e que de mãos dadas
trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
tem direito a converter-se
em manhãs de domingo.

Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Fica decretado que o homem
não precisará mais duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como vento confia no ar,
Como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Fica permitido a qualquer pessoa
a qualquer hora da vida, o uso do traje branco.

Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.
Tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará numa espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Fica proibido o uso da palavra liberdade
que será suprimida de todos os dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio
e a sua morada será sempre o coração do homem.

(Thiago de Melo)

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